quarta-feira, 28 de março de 2012

O inverso do contrário


Exactamente: o título é só para parecer um texto metido a besta. No fundo, é, mas de uma maneira inversa. Entendeu?

Provavelmente, você está comendo super bem agora, lendo isso aqui e pensando. Seu prato de boia choca deve ter uma vistosa polenta rançosa com queijo e carne de segunda, mas tudo com molho guardado há uma semana no congelador de sua velha Frigidaire. Mas eu, camarada, quando me botei a pensar sobre minha segunda viagem pelos Pampas, estava em situação mais desagradável.

Passeei muito bem acompanhado por 15 dias vendo como uruguaios e argentinos se comportavam frente a um portunhol avançado. Deu tudo certo... e eu quero é me focar no último dia. Poupo-lhe por hora dos outros.

Eu tava meio cansado naquela manhã em Rivera. Dormi mal no motel da Uruguaia (deve ser esse o nome da bruxa dona do bolicho), com cheiro de alcatrão e nicotina, gente gemendo e música do Zezé de Camargo em volume considerável. Sem café da manhã, marchei com 40 pila e saí de Santana do Livramento para a cidade-irmã. Comprei umas coisinhas de homem: bebidas, comidas, temperos para churrasco, doce de leite, cigarros e diversão. E fomos para a praça central comer algo, porque tínhamos bilhões de quilômetros de estradas nojentas até Porto Alegre.

Cheio de pacotes, mais parecendo algum novo-rico se locupletando em Buenos Aires, avistamos umas 3 carrocinhas de pancho. Cabe a explicação. O pancho é a versão hermana para um alimento comum nas ruas de nosso estado. Não falo do gauchíssimo xis. Sim... o cachorro-quente!

Sou perseguido por isso. Devo ter sacaneado bonito alguma oferenda de algum pobre em alguma esquina de algum bairro popular desse Brasilzão. Uns dias antes, havíamos enchido a barriguinha próximo à avenida principal de Montevidéu, num evento que marcou uma inesquecível matação de fome oficial no país de baixo. Mas essa vez em Rivera tinha um plus: a proximidade com o Brasil. Perigo!

Sentei, posicionei as compras perto para proteger (eu tava perto do Brasil, lembra?) e veio a garçonete. A negaveia pediu um chivito (=xis com frescura) e eu, um pancho quase completo, sem catchup e sem mostarda.

Ela não anotou. Foram dos 2 pedidos boiando na cachola da criatura.

Quando chegou, vi algo amarelo-vivo saindo do pancho...

- Ô, minha tia... puxa, eu pedi sem mostarda...
- Ah, tá... peraí, que eu vou trocar.


Custava ter anotado, né? Mais uns minutos de terror, fome e desespero. Chega um uruguacho:

- Hola, amigo, quieres meias?
- No, camarada, solo quiero comer!
- Que eso, no necesita brigar... somos todos amigos, hã?


Veio de novo o pancho. Dei uma abridinha e tava tudo vermelho. Catchup. Aí, né, já deu ataque de bichice, fiquei de beiço, cara de num quéio e quase estraguei o almoço da outra.  
Senti vontade de enfiar o raio da comida nas fendas íntimas das empregadas do estabelecimento. Fiz questão de parecer incomodado, levantei e fui na concorrência.

- Por favor, quero um pancho assim, ó...


Esqueci de pedir para não usar um litro de óleo na prensa, mas foi bom. 
Foi melhor ainda porque me embestei a comê-lo nas dependências do cachorro de mostarda. 

Qual a lição que tirei disso? Nunca confiar em hotdogs? Não... talvez tenha sido a de que mesmo que você sapateie e demonstre indignação contra o Sistema, ele sempre vai dar um jeito de continuar aloprando para cima do cidadão comum. Isso mesmo quando sua briga é só por não querer mostarda no pancho.