segunda-feira, 7 de abril de 2014

Pele vermelha


Meu vô trabalhava em algum escritório capenga das ferrovias gaúchas, em Porto Alegre. Dá pra imaginar que, na década de 40, não devesse ser esse lugar um lindo prédio de escritórios para bem vestidos executivos.

Como boa parte da população de casta média-baixa da capital gaudéria, meu vô era Colorado. Torcedor clássico do Inter, apesar da cor branca alemã que lhe empalidecia a tez. Apontar esse detalhe é mister para ambientar o padrão de torcedores dos times grandes de Porto. 

O pouco dinheiro que entrava vindo do ferrocarril dos pampas e do aluguel de pequenos quartos na própria casa do meu vô lhe permitia certas loucuras que hoje seriam comuns. Na década de 40 e 50 não era. Os ônibus eram barulhentos, desconfortáveis, as estradas eram um acinte às suspensões e a oferta de lugares onde dormir e comer era menor ou pior. E lá ia o vô pra ver seu time preferido, "somente" o Rolo Compressor, máquina esportiva de tocar terror nos adversários!

Meu vô levava meu pai, ainda na versão kids, para ver jogos no Estádio dos Eucaliptos, casa vermelha pré-era Beira-Rio. O velho (o pai) conta emocionado, mas numa emoção contida que lhe é peculiar, de como era entrar nas tribunas e ver os jogos do time mandante.

Daí, veio o Beira-Rio. Papai, nos anos 80, chegou a pagar mensalidade do Parque Gigante, detalhe que foi descoberto recentemente. Mas me deu camisetinha do Inter quando eu fui criança. De Colorado pra Colorado... vô, filho e neto.

O vô, representante do escopo popular da torcida alvirrubra, não viu a inauguração do Gigante da Beira-Rio. Infelizmente, ele também não viu o mundo pintado da cor do sangue em 2006.

Mas no dia em que eu sentar novamente no estádio, agora reinaugurado e elevado à pujança que talvez tenha passado pelos poucos cabelos do meu vô, eu vou guardar um lugar ao meu lado. 

sexta-feira, 7 de março de 2014

O charme das pernas tortas

Não, nada a ver com o craque Garrincha e seus cambitos rengos. A parada aqui é mulher mesmo, apesar de isso estar tão out hoje...

Insisto que o mundo precisa de menos edição gráfica (aos leigos: Photoshop, que, sim!, faz milagres). A beleza dos corpos vem de algo natural... de dentro pra fora, pra usar um recurso mais popularesco. Os gregos, aqueles veados, já sabiam disso muito antes de vossos antepassados procriarem. Não é à toa que ainda se venera a arte clássica.

Se tu pegar qualquer livro de História (que seja da Arte), vai ver que a mulherada até o Renascimento era retratada com a opulência que os músculos e a gordura gentilmente localizada assentava às figuras. Não raro enredo pra punheta da gurizada da época. Ou de hoje.

É no detalhe escondido que mora o almíscar reservado para poucos. Justamente porque poucos se deram conta (thanx God!) de que uma mulher com corpo irretocavelmente marombado e barriga tanquinho ou negativa é muito... óbvio. É como aquele vinho barato de 30 pila que tu compra no supermercado e acha que tá levando o fino das vinícolas argentinas.

E aí venho a público declarar (rufam os tambores!) que prefiro as pernas tortas às trabalhadas com leg press. Não aquelas que deixam a aparência de que a criatura desceu de um potro taludo e não conseguiu endireitar as canetas. Tenho minhas preferências, mesmo dentro das ditas anormalidades. Falo daquele desenho que começa com as coxas próximas e o joelho faz as canelas se afastarem. Se tiver um pé suavemente virado pra dentro, chego aos píncaros do fetiche.

As pernas tortas são um acinte ao padrão do povo. Elas dizem "olhe para nós: ainda somos pernas e temos um desenho único e divertido! Não precisamos ser certinhas para termos nosso lugar sob o Sol!". Elas espinafram deboche na simetria correta e na proporção áurea. Ignoram o esforço dos hormônios masculinos destruidores de vozes femininas e dão uma nova opção aos olhos.

Não sei se um dia as meninas vão parar de usar botinhas ortopédicas. Mas até lá, que algum editor de imagem esqueça de endireitar o que nasceu torto.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Funk, Do it Yourself & o punk da Favela

A seguir, um texto (publicado originalmente no Facebook, lúcido, direto, quase cabeça, enorme e arrasador de velhos alicerces escrito por meu amigo Rômulo Carniel (frise-se: umas das top 3 mentes mais inspiradoras com a qual tive oportunidade de conviver na minha pós-adolescência). Antes que pareça apenas rasgação de seda, digo que o texto botou até eu, notório cabeça dura reaça, pra pensar.

"Mas vou dizer que eu nutro simpatias pelos manos da perifa. Não pertenço àquele universo, não me vejo representado nas letras (tá, no ostentação rola uma identificação de cantinho: quem não quer contar plaquê de 100 dentro de um Citröen?), muito menos compro os cds ou baixo as músicas. Porém, todavia, no entanto, a sacanagem intrínseca e espontânea da parada me desperta bem mais o interesse e a simpatia do que, por exemplo, a posturinha forçada do bom-mocismo temperado com pitadas bem dosadas de "sensualidade latina"do sertanejo universi(o)tário. A canastrice do Funk me soa mais genuína e verdadeira.

Sem falar que todo roqueiro de mente aberta que se preze, aquele que cultiva o senso crítico, que ainda não perdeu o senso de humor e que tenta manter vivas as virtudes cristãs (ou anti, vai saber...) da irreverência e da iconoclastia - que mais de uma vez na história recente foram a reserva de forças que salvaram o Rock'n'Roll de morrer afogado em seu próprio marasmo auto-replicante - procura se manter à distância máxima dessa retórica bundona de "superioridade intelectual", "bom gosto", "habilidade musical", "letras cabeça", e blá blá blá de "poesia" e “lirismo”. Não que habilidade, boas letras e bom gosto não sejam legais, essenciais até. Ok, mas além de conceitos pra lá de subjetivos e arbitrários, sozinhos são só encheção de saco e de linguiça, não enchem barriga de ninguém que tenha cérebro e tripas saudáveis, se me entendem. E não foi apenas disso que o Rock - e toda a música Pop, na real - sobreviveu, mas sim da energia e da atitude para chutar a porta da frente toda vez que foi preciso.

A verdade é que boa parte do Rock Nacional vive de passado. Não apresenta nada de novo - salvo honrosas exceções que não tocam em muitas FMs. Não apresenta perspectivas de futuro além de se tornar outro fóssil cultural, venerável, porém estanque, aos moldes do Jazz e da velha MPB. Ainda assim, quer ter a empáfia de criticar toda a manifestação cultural que não se guia por seus parâmetros roqueiros de qualidade. Puro mimimi de quem engessou a própria criatividade e está satisfeito com isso. Ao invés de assumir velhas posturas que antes apenas a intelectualidade bundona da velha MPB adotava, os "roqueirões"de hoje deviam era colocar os miolos - e se possível as vísceras - pra funcionar e tentar canalizar a força bruta do funk carioca para algo que realmente sacuda as estruturas, que dê uma renovada no cenário. Tipo o Edu K fez há quase 20 anos atrás. Ou a Comunidade Ninjitsu, injustamente deplorada pelo adolescente careta que fui. Ironicamente, precisei conhecer, já na idade adulta as bandas dos anos 80, 70 e 60 que eles sampleavam para depois sacar o quão interessante foi a proposta de perverter aqueles hits com refrões irrevrentes de funk carioca.

Não se trata de negar o passado. O que foi bom sempre vai ser. Clássicos são clássicos, mas eles devem ter outra função que não apenas inspirar veneração e cópia. Temos que ter a coragem e o peito de desconstruir os clássicos, de pegar nossas velhas Rolling Stones e picotá-las para fazer uma nova colagem, se possível com retalhos de outras revistas e livros diferentes, se é que a metáfora se encaixa. Afinal, não foi de mistureba de estilos, bebendo direto nas fontes dos guetos e das ruas, simplificando e adaptando, que o Rock surgiu e se popularizou? Não foi saindo para a rua e sacando o que estava acontecendo ao redor que o Rock se renovou tantas vezes e sobreviveu a todas as armadilhas da indústria cultural, muitas criadas por ele mesmo?

Até quando o Roqueiro brasileiro vai encarar a música como se fosse uma religião imutável e tudo o que for diferente - e mais popular - como uma heresia execrável? É só música, pô! E pop, ainda por cima! Não é música erudita, cheia de regrinhas matemáticas e discussões técnicas. Esta tem seu lugar garantido na história, está lá para os estudiosos e ainda viva nas salas e teatros. Na música popular (sim, o Rock é música popular) a técnica, a forma e o estilo podem até ser importantes, mas servem a outros objetivos, talvez não tão nobres, porém maiores e vitais: à celebração, à diversão, ao ritual de acasalamento em volta da fogueira, o chacoalhar de esqueleto dos nossos antepassados pra espantar o frio, a fome, o medo e o tédio. É pura carne, não nos esqueçamos! E o Funk Brasileiro, abstraindo os investimentos maciços de grana que a indústria cultural vem fazendo a cada ano no cenário, ainda cumpre bastante bem esse papel primitivo, que no passado o Rock cumpriu tão bem e ainda pode cumprir: dar vazão aos instintos básicos, que sem isso enlouquecemos ou nos tornamos cascas vazias.

Será que as letras do Rock são tão superiores ao Funk assim? Os punkzões intelectuais de plantão pararam para ouvir as letras dos Dead Boys, os “Sex Pistols de NY”? Só pra avisar: são de uma bagaceirice de fazer sorrir o MC Catra no inferno. E os Fãs do bom e velho Hardão, pararam pra pensar no quão superficial são algumas letras do Kiss, por exemplo? E o Guns`n`roses, com seus clipes apoteóticos, com direito a casamentos faraônicos, destruição de carrões em penhascos e muito veludo e cetim rasgado, são menos ostentatórios do que o MC Guimê e sua coleção de motos e cachorras? Só os MCs são ridículos por usar correntão de ouro? O Funk faz apologia à violência e às drogas? E Oo Rock é santinho então, não cultua bad boys transgressores, seus anti-heróis não se drogam nem agridem ninguém? Falar do Funk então porquê? Por causa da primariedade precária das músicas? Mas os  Ramones e os Sex Pistols? Não eram toscos pra caralho quando surgiram? Falar da batida eletrônica repetitiva? Mas e as bandas do sinth pop e do eletro oitentista, que começaram a usar mais instrumentos eletrônicos? O Bauhaus é Cult entre o pessoal “cabeça” que curte New Wave e Pós Punk, e tem alguns sons que são puro ruído de sintetizadores se repetindo ad infinitum. E os Beastie Boys, que misturaram o Punk com o Hip Hop, abusando de samplers e batidas eletrônicas? O Funk Carioca é imoral e só fala de sexo? Mas do que falam mesmo muitas das letras do Rock, de todos os estilos? O Chuck Berry, o Little Richards e o Jerry Lee tavam falando de quê quando chamavam as adolescentes para chacoalhar até virarem grandes bolas de fogo? E o Elvis rebolando pra caralho? Gente, o John Lennon (pra alguns o verdadeiro santinho doce e intelectual do flower power, pois sim...) deu a morta faz tempo: tudo acaba em sacanagem e rala coxa. Não ouviu quem não quis, ou tava chapado demais em sua própria ingenuidade embalada a LSD. Roqueiro adora apontar o moralismo dos outros, mas quando dá pra ser moralista...

Os MCs do Funk brasileiro e seu público cativo certamente estão alheios a esta discussão, como certamente o Bill Halley e seus cometas, o Buddy Holly e o Gene Vincent também estavam lá em 1950 e poucos, quando começaram a simplificar o rhythm and blues e outros ritmos da música negra americana para consumo televisivo de um público branco, nascido no pós guerra e que estava entediado, louco por mudanças e um pouco de diversão. Como eles, talvez muitos funkeiros não tenham consciência de que estão refletindo as mudanças profundas de sua sociedade, num momento de inflexão da história. Muito menos alimentam pretensões revolucionárias e contestatórias, como querem alguns. Porém, apesar de abraçar, desejar e aceitar o status quo da sociedade e da economia em que vivem, involuntariamente a modificam profunda e irreversivelmente. A história se repete e até os resmungos incompreensão e de crítica moralista são similares.

O Rock dos anos 50 era inconsequente e até alienado, mas era cheio de vida e energia. Muitos roqueiros de carteirinha hoje se surpreendem ao serem defrontados com a crua realidade de que o Rock surgiu, sim, como uma modismo quase passageiro entre os anos de 1955 e 1959 , fomentado pela mídia e movido a grandes somas de dinheiro. Exatamente como outros modismos por eles criticados nas décadas seguintes, como a disco music nos 70`s, o Sinth Pop e o New Romantic nos 80’s, as Boy Bands dos anos 90 e início dos 2000 e agora, especificamente no cenário brasileiro da segunda década do século XXI, o Funk – que não é mais só carioca.

Talvez por isso muitos tendem se enganar, achando que o Rock só começou mesmo pra valer com os Beatles desembarcando nos EUA em 64 e os Stones em 65. Engano de vocês, crianças. Começou antes mesmo das reboladas do Elvis na TV em 55. Começou nos botecos de beira de estrada no interior rural dos EUA (Para quem quiser ver um retrato interessante dessa era, indico o filme The Honeydripper), depois nos becos das grandes cidades, com gente semi-analfabeta tocando do jeito que dava, com o pouco que sabiam de teoria musical e com os instrumentos que tinham à mão, tocando Blues, Rhythm and blues e o Ragtime que aprendiam com seus tios, primos e amigos na esquinas e nos pátios das casas. Do mesmo jeito que os manos do funk. Só depois é que foram parar nas gravadoras. E as festas eram que nem os bailes funks de hoje: cheio de gente preta e pobre, botando pra quebrar, dançando até o chão se esfregando pelos cantos e esticando a noitada em algum quarto escuro. Há farta documentação fotográfica desses antros – e é um material que vale muito a pena de ser conferido. Pura diversão, sem neuras, sem as implicações políticas que a malandragem da esquerda sempre quer ver e sem os tabus morais que a direita careta sempre enxerga. Simples assim, como uma letra de funk. O bom e velho instinto de sobrevivência dizendo que, para viver mais uma semana sem enlouquecer nos campos e nas fábricas, é bom soltar um pouco as rédeas e enlouquecer por uma ou duas noites.

Isso é Rock’n’nroll. E isso é o Funk no Brasil hoje. E isso é um sopro de ar fresco na cultura Pop. Se vai ter gente esperta sabendo para onde apontar as velas do seu barco nessa brisa, daí é outra história. Sou cético, mas o primeiro passo é remover a venda do preconceito – Como fez Caetano nos anos 60 ao introduzir a Guitarra elétrica na MPB; ou o Jorge Ben, ao misturar o Samba com o Rock; Ou como o Marcelo D2, misturando Samba e HipHop; Ou como o Tim Maia ao cantar soul music em português; Ou, finalmente, como Bob Dylan obrigou a fazer o cenário do Folk americano e britânico ao colocar no palco com ele uma banda eletrificada de Rock na metade dos anos 60. Sim, o Rock`n`roll era considerado música intelectualmente inferior, minha gente, coisa de adolescente alienado. Até 1965, lá fora, o Folk é que era descolado, coisa de gente maneira, cool e de bom gosto. Primeiro, o folk foi coisa de intelectual de esquerda. Depois da rapaziada descolada, o pessoal Cult que lia os Beats, vejam a ironia, logo os Beats que ouviram Jazz quando o jazz ainda não era careta... E o Rock, bem... O Rock era o Funk do iníco dos anos 60: fazia muito barulho mas não era levado nem um pouco a sério. Precisou o Dylan, com toda a sua aura de “voz de uma geração”, construída com muita canção folk de protesto e visual caipira/descolado/politizado nos anos anteriores a 65 pra chamar a atenção da inteligetzia musical para o potencial explosivo dessa coisa chamada Rock’n’roll. E precisou os Beatles elogiarem publicamente o Dylan para as adolescentes dos dois lados dos oceanos darem um tempo entre um gritinho histérico e outro e prestarem atenção em outros estilos, pegarem uns livrinhos para ler, etc e tal.

Daí pra frente aconteceu o que todos já sabem – e o que todo roqueiro metido a intelectual refinado tenta se convencer de que foi o começo bíblico dos tempos: a psicodelia (que já vinha se desenhando na California, com reflexos em Londres e Nova York, independentemente do que Dylan ou Lennon diziam sob os holofotes) ganhou o mundo e mudou a estética, o movimento hippie (que também já existia desde o final dos anos 50, só ganhou os noticiários em 67 e só chegou no Brasil depois de 69) se popularizou, o sexo deixou de ser tabu, Maconha, LSD, Discussões intelectuais em mesa de Bar, sofisticação das bandas em ritmo exponencial, altas somas de grana na indústria musical, mega festivais, mega shows, saco cheio e desilusão no início dos 70, exageros e paródias na metade da década, revolta, niilismo, punk e skinhead no final daquela década, overdoses de heroína, os iuppies e o pós punk, nos anos 80, o restinho da new wave, o hard farofa, o grunge e o brit pop nos 90, o Indie e o eletro nos 2000, etc etc etc...

O Rock se sofisticou e se diversificou. Mas uma coisa é certa: toda vez que ameaçou paralisar e estagnar, alguém chutou a porta e movimentou as coisas. E isso porque a inquietude, a iconoclastia e a flexibilidade de adaptação estão no DNA do estilo, herdado lá dos botecos e inferninhos dos anos 1940, das favelas urbanas e rurais dos EUA, tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidas com muitas aqui do Brasil e do mundo. E aqui ainda temos algo que os “modernos”de 1922 chamaram de “antropofagia”, que nos permite fagocitar tudo que nos interesse. O que não mata engorda, diz o ditado pop. Então porquê temer e torcer o nariz para o Funk? Só porque alguns deles talvez não saibam quem foi James Brown e o que significa groove ou soul? E daí que alguns desses caras não saibam tocar um instrumento ou não tenham noção de tom e tempo? Só o John Lydon podia desafinar? E toda a energia transbordante, todo o Do It Yourself quase punk que essa galera tem, essa vontade de botar o baile pra ferver, colocar a casa a baixo? Não tem valor nenhum? Não gosta das letras, amigo? Pensa numa melhor, faça a sua versão, sabidão! Pegue a proposta sonora e a transforme em outra coisa. As possibilidades estão em aberto.

Quando Dylan plugou sua guitarra, em 1965, os roqueiros olharam desconfiados, mas acabaram aceitando aquela nova forma de fazer som, aquela maneira diferente, mais cabeça de dizer as coisas que estavam sentindo, usando a linguagem que conheciam, a da guitarra elétrica. O pessoal do Folk foi quem torceu mais o nariz, boicotaram shows, vaiaram, crucificaram o Dylam e o chamaram de “traidor do movimento”. Mas no final daquela década, caras como Willie Nelson e Pete Seeger, ao verem sua própria base de fãs crescer, com jovens que, talvez, se não tivesse ouvido o Dylan “plugado”primeiro nunca tivessem chegado ao Folk, deram o braço a torcer. Perceberam a força que aquelas músicas concebidas para serem tocadas ao violão adquiriam com o peso de uma banda de Rock e muitos adotaram formações roqueiras em suas próprias bandas. O Folk sobreviveu e está integrado na cultura Pop até hoje. Tudo porque se obrigou a deixar o preconceito de lado e aceitar o parentesco com o Rock, que era considerado superficial e tosco, o primo pobre da música popular. O Rock, por sua vez, se beneficiou amadurecendo e deixando de ser bobinho, ganhou respeito.

Muitos estão pensando: “esse cara está propondo que o Rock se agarre ao funk para se salvar?” E já vejo pedras sendo juntadas do chão para serem atiradas. Calma. Não sou tão crédulo. Duvido que surja um Dylan no Rock Brasileiro que traga o Funk para o respeito dos intelectuais e o Rock para desfrute da favela. Não existem messias no mundo real e Dylan não foi um, por mais que tentassem fazer crer. Além disso, um messias intelectualizado aqui não caberia no contexto de um baile funk. Prefiro o Edu K cantando “vai popozuda”com uma chupeta de plástico na boca. E acho que faria muito bem para arejar certas cabeças reconhecer que o Funk é, sim, o primo pobre do velho Rock`n`roll no Brasil. E admitir que as festinhas no barraco desse primo andam bem mais divertidas e movimentadas do que a junção de velhos ranzinzas lá em casa."

(CARNIEL, Rômulo, 14 de Febreiro de 2014)