sábado, 13 de outubro de 2012

Textos provocantes

Sempre julguei que eu precisaria sempre de Bukowski ou Salinger para me sentir provocado a escrever. Chego a conclusão que, sim, preciso constantemente ler esses dois filhos da puta para botar algo que preste pra fora.

Mas nessas de gastar horas digitando sobre a porcaria da minha vida, vi também que apesar de sempre querer que os outros leiam o que escrevo (insisto: acompanhar meu blog mostra irrecuperável habilidade na arte de ser um vagabundo), não tenho a mais rasa paciência para ler o que os outros escrevem.

Deve ser ciúmes. Tipo, vem alguém e me indica "porra, Marat, lê a droga do meu blog". Mando tomar no cu e vou ler, claro. É claro que há textos que deveriam ficar isolados ao limbo. Mas ultimamente ando me deparando com bons autores, que conseguem expressar suas ideias de maneira a parecer uma facada no bucho. Linhas que me fazem suspirar e ficar apaixonado pelas autoras (não pelos autores, evidentemente). Sinto-me saudavelmente provocado, do tipo "caralho, eu queria ter escrito exatamente assim!".

Tá pensando que vou fazer propaganda de blog aqui? Esquece.

Certa vez fui na casa da Mimi, uma amiga minha, dessas gatas pra caralho e que te fazem dormir pensando em se afundar nas carnes de alguém. Fui lá um dia e inventei de dizer que eu escrevia poemas.

- Ai, Marat, que legal! Eu também escrevo!

Medo. Ela me mostrou algo parecido com um caderno cheio de páginas escritas. Não eram poemas, óbvio. No máximo, arremedos de prosa poética, se é que tu conhece as terminologias da literatura.

- Gostou, Marat? Sabe, sou bem emotiva...
- Não, sim, gostei, claro. Bem... forte, né?


Nossa, fortíssimo. Naquele momento, vi concretizada mais uma de minhas teorias de boteco.

A mulher escreve porque precisa. Mulheres em geral querem desabafar, sem necessariamente passar por sessões de consolo. Um caderno parece ser um bom ouvido em momentos de paixonite ou mágoa. A guria sai toda perfumada e embonecada, aparece no bar e vê seu amor ficando com outra, certamente uma vagabunda. Crise de choro, "Que raiva!", amigas alisando cabelos e outros caras querendo alegrá-la. Ela chega em casa e gasta uma Faber-Castell inteira contando pro pobre do caderno o quanto aquele cara mexia com ela e que agora tudo vai ser diferente. 

Passada a tristeza, ela ainda mostra pro cara (que já pediu desculpas por ser cretino e retomou o caminho) o quanto ele a fez sofrer. Lindo. Mas isso mostra o viés da escrita feminina. 

Uma mocinha escreve sempre vendo as coisas de seu próprio ponto de vista. Suas impressões em relação ao mundo não ultrapassam o limite do surreal, são algo fácil de sentir e de criar rápida empatia pelo relato. E não necessariamente a autora tá interessada em adaptar isso a uma visão de alguém que porventura vá ler. 

Meninos escrevem com receio de serem mal interpretados. Portanto, acabam 'comercializando' sua escrita. Eles não se entregam totalmente, criam fatos para disfarçar algo e veem tudo de um ponto de vista de fora de seu mundo. Isso os deixa protegidos de qualquer avaliação de personalidade, pois com um personagem descolado da persona fica fácil perder o pudor. Fazem tudo sempre pensando que alguém pode realmente ler aquilo.


Claro que tô generalizando (só chatinhos ficam bravos com isso). E em geral também, o cara que for emotivo e confessional como a mulher angaria para si um público maior. A moça que rabiscar despudoradamente como um homem surpreende positivamente. Em ambos os casos, cabe um cuidado com a língua-pátria, que é o molho das ideias. Parece receita de um blog perfeito, eu sei. Mas se eu mesmo tivesse um, não estaria remando contra a maré de contas que me chega todo mês. Eu ia é ganhar dinheiro com minhas confissões... todas sem pudor nenhum.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Dicionário

Acho que finalmente, em anos,
encontrei uma palavra nova
para usar no lugar de "eu".

Pesquisei em livros

olhei em revistas
revirei o baú da sala
perguntei a minha ex
dormi, sonhei, acordei.

Pronto para anotar, esqueço!
Assim como esqueço de mim mesmo...

terça-feira, 19 de junho de 2012

Invento sonoro

Queria inventar um antídoto contra timidez.
Não sei atacar, só espero minha vez.

Queria recriar meu velho modo de vida
não sou um dos caras mais visados.


Queria saber mais das coisas do coração
pra virar o disco e ensinar a mim mesmo.
Queria aprender a mais santa oração

e achar sentido em vagar por aí a esmo.

É prudente ter meus remédios lacrados:

vai que um dia eu escolha uma segunda opção...

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Podre de rico

Passo por um mendigo embaixo da ponte
mendigo triste e com dor em sua fronte.
Deus lhe deu a chance errada e a incerteza...

Nessa hora me envergonho do que sou
e vou rezar como um padre na abadia.

Mas o mendigo tem a maior riqueza
que sua gente jamais pensou:
a carteira que ele me roubou outro dia.

domingo, 10 de junho de 2012

Faixa escondida

"Faça alguém feliz:
doe um pouco de si mesmo!"
dizia o incauto cartaz.
Mas que alma condiz
comigo, que ando a esmo...
comigo, que ando pra trás?

sábado, 9 de junho de 2012

Canção kitsch

A Tristeza e a Feiúra 
são a censura divina.
A Beleza e a Luxúria
são a consciência do diabo.

Permuta

É o quarto caso de vida jogada fora
desde que apareci com esta pergunta:
"E se você fosse eu por apenas uma hora?"

Soneto tardio de amor

Quem escreve em primeira pessoa
já pensa em agradar a quem lê.
Um certo respeito por quem se afeiçoa
é mais um soneto fadado a morrer.

Ela pede versões mais bonitas do amor, 
ele fala outra língua que chama a atenção.
Ela seca seus olhos provando o sabor
ele que que, no fundo, mais valha a intenção.

Se bem que ele quis expressar sua dor...
o relógio a deixa zonza e perdida,
o tempo lhes mostra a face do horror.

Mas olhe como brinca a sorte:
ela crê, sozinha, na vida,
ele vê, sabido, sua morte.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Anis

Quando falo de morte
é porque sinto medo
até do friozinho de outono
e da garoa tênue que escorre.

Você me fala da sorte
que não encaixa no enredo
da minha vida em mono.


É o medo da vida, que morre.


 

Aurora boreal

O futuro toma precioso tempo
enquanto o presente some em pedaços.

Em vez de perder minutos
escrevendo romântico

(palavras não são naturais)
prefiro poucos segundos
beijando-te em cântico
(beijos de escrever em murais...)

Aritmética


Estudo para prever o final;
testar equações, dividir e somar,
estar preparado para a prova real,
ver tudo com uma clareza mais definida...
mas o que não consigo mesmo é achar
a graça de ter certeza na vida.

Erro crasso na harmonia da música mais linda que inventei

O mundo moderno é uma figura!
Sensível à moda, complacente com odores.

Mas agradeça por ter nascido gauche

nesta vida periclitante:
a asa só foi inventada
depois que inventaram o desodorante.



quinta-feira, 7 de junho de 2012

Impulso

- Quero ser triste.
- Por quê?

- Pra evitar ficar alegre!
- Por quê?

Aperto o nó e penduro a corda no galho mais frouxo da vida.

Todas as flores

Ontem à tarde, tive uma ideia revolucionária que iria mudar o mundo. Resolvi anotar para não esquecer no período pós-trago. É, não esqueci mesmo, mas não sei como interpretar "ame o próximo"...


Arquirrival de um inimigo imaginário

Aboli o espelho de minha vida! Não suporto a ideia de parecer um velho com manias irritantes, um diácono medindo seus modos, um marginal que ensaia seu "bom dia"...

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Borracha no tempo?

Quintana não gostava, mas não resisto a olhar pra trás e ver meu próprio feito. Desejo doido de se repetir, influenciar eu mesmo, ter minha própria escola maratiana. Só não tô conseguindo agora, porque não acho minha própria característica principal... ou por custar a acreditar que essa seja o 'esquecimento'.



Épico moderno

Escrevo com acentos mudados
com hífens a menos, ditongos a mais,
letras e fonemas trocados
algum épico de um novo herói.

Traço um rumo correto, infindo...
são riscos etéreos que o vento destrói.
Junto armas, boto o pijama
pronto para as guerras finais.

Tudo isso para te falar, mentindo, 
do medo do monstro embaixo da cama...





terça-feira, 5 de junho de 2012

A Moral e os Bons Costumes

A maior felicidade que posso visar
é a rotina diária de ir trabalhar.
Repito as coisas sem ter um porquê.
Mergulho em minha filosofia de pequeno porte:
é inútil a tentativa de decifrar (pra quê?)
a Vida, a Certeza e a Morte.

Medo do desconhecido

Falar d'alma sem acreditar nela
é tão esquisito quanto acender uma vela
em prece à madeira oca, o Santo,
para que ele atenda de uma vez ao pranto.

A parlenda barroca adocica um tanto
o mingau de minha vó, posto em tigela.
Pergunto ao pó, e ele me responde depressa:
"A prece e o pranto funcionam, por enquanto..."


Sustentabilidade

- ... e a lição de hoje foi: vamos trocar todas as sacolas de plástico de mercado por lindas e modernas sacolas de pano recicláveis e sustentáveis. Os países desenvolvidos já adotam políticas contra o uso dessas sacolas e...
- Ei, tá, saquei. Mas... e o lixo de casa? Jogo ele onde?
- Ora, num saco de lixo...
- ... de plástico?

Diante dos interlocutores, como fruto da falta de resposta, deu-se um evento singular: rolou mó vórtice temporal, um paradoxo no espaço-tempo e um buraco negro. Juntei essa bosta com uma sacolinha do Rissul, amarrei e toquei no lixo.

Foi recolhido e acho que vai ser reciclado no Moquém. Fim.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Voluntários da pátria


Então, tava eu vendo um telejornal noturno, desses que já carregam seriedade no sotaque dos apresentadores e nos presenteiam com matérias de cunho tecnológico e social, para nos sentirmos parte da porcaria da aldeia global.

Enquanto eu devorava um sanduíche, assisti a uma reportagem sobre intercâmbio no exterior (sim, seria para onde mais?) a fim de o cidadão se engajar em trabalhos voluntários. Pessoas abnegadas que abandonaram sua vida de contribuição para a engrenagem capitalista no Brasil com o intuito de ajudar o próximo, ou o lôngimo, e mostrar ao sistema vigente que há, sim, uma luz no fim desse túnel de horror.

Né?

Eis que as meninas e mulheres que propagandearam o intercâmbio de bom samaritanismo eram pessoas lindas, bem cuidadas, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Mãos macias, unhas delicadas... todas de aparente berço esplêndido.  Mãos macias, unhas delicadas...

Vamo lá: existe uma indústria do trabalho voluntário no exterior. Assim como existe a do aquecimento global, frise-se e abram-se esses parênteses. A pessoa quer estudar no exterior. Louvável, puxa!, nunca é demais aprender outra língua diretamente no país falante dessa. Malandro volta ao Brasil com uma carga cultural fodidaça, pronto para guerrear dentro de uma empresa competitiva. E lá fora há sempre cursos que não se encontram aqui. Perfeito!

Mas daí alguém tem a brilhante ideia de pagar caro para trabalhar em prol do ser humano. Porrrra... trabalho voluntário no exterior? Faça-me o favor! Uma das meninas fala na TV da rica experiência de ajudar pessoas e aprender com isso. Ora, mas até conversando com seguranças de estádio a criatura aprende algo prdutivo. Língua estrangeira a malandragem aprende na rua, no contato com o indivíduo comum, vendedor de frutas, dono de estacionamento, policial, gari, atendente de brechó. "Mas quiquitem, Marat?", o incauto me pergunta.

O que pega é que eu sou do povo. Morei no subúrbio e sei como é a vida de gente que pega ônibus, ou dois deles, ou metrô, ou sei lá, para trabalhar. Criar filhos, lidar com chefe e problemas no emprego. E tudo isso na tentativa (às vezes vã) de simplesmente viver sua vida e, justamente por isso, dar uma grande contribuição pro mundo.

Esse pessoal aí tem menos tempo para caridade. E se o faz, é para instituições em seu bairro, a fim de melhorar seu mundo. Parece, assim, bem mais sincero. Galera que é criada em berço de ouro tem esse tempo. Isso é bom? Olha... para as pessoas beneficiadas, certamente. Mas algo me cheira a safári de rico. Como se todos cometessem bullying ao burga, chamando-o de 'burga', e aí um dia o cara resolve mostrar ao mundo que é uma pessoa boa, ajudando os outros e aproveitando para aprender culturas novas.

E desde quando alguém precisa fortalecer laços com crianças órfãs na Índia ou auxiliar pessoas com necessidades especiais lá no Daguestão? Não teria isso aqui no Brasil, no bairro ao lado? Culturas diferentes? Há regiões inóspitas no próprio Brasil, com sotaques curiosos, comidas apimentadas e costumes relevantes. Pagar de bom samaritano no exterior às custas do dinheiro que o pai deposita na conta todo mês é até simples. Coisa de quem nunca arrumou a cama na vida... nunca pegou em enxada!


Vai viajar pra fora, aproveitar e fazer festa. Se for para ficar, que trabalhe duro. Ir para lá para ser voluntário e ainda pagar por isso é algo que vai contra o próprio princípio do voluntarismo. Foda é quando empresas de grande porte avaliam trabalho de caridade como sendo pré-requisito para ser admitido em seus fronts:

- Mmm... vejamos seu currículo: expert em vendas, cursos de marketing, especialização em excelência em gestão... não sei, não sei...
- Continue lendo, senhor.

- Xovê... pós em gestão pessoal e... atividades voluntárias na Namíbia? Perfeito! Tu é o cara que estávamos procurando. O cargo é teu! Bem-vindo!

Contratam pessoas competentes ou pessoas boazinhas? Enquanto isso, vou lá estudar para poder fazer o que faço de melhor: trabalhar em prol do conhecimento do ser humano ao meu redor. Minhas atitudes voluntárias são pequenas, mas aposto que geram sorrisos na cara do pacato cidadão da civilização. Isso tudo sem publicidade de página social nem máscara africana pendurada na parede da sala.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Mais um detalhe


A procura pelo detalhe perfeito. Sentir cheiro de charme. Cê acha que é fácil? Nananina. Isso é pra gente estudada, camarada.

Não é todo mundo que entende um quadro de Dalí. Há mais que desenhos psicodélicos em sua obra, há bem mais que uso de algum alucinógeno proibido pela Anvisa. É algo de charmoso, que você bem tenta explicar usando seu fino greco-romano, mas logicamente termina em um monólogo entediante, cafona e inútil.

O cidadão vê uma vítima zanzando pacificamente pela noite em uma discoteca de muita gente bonita e se prepara para o ataque. Carrega sua pistola, mira e, inadvertidamente, passa outra moçoila por perto. O charme ataca antes, usando uma de suas muitas armas: o cheirinho suave de creme no cabelo. É um momento de encantamento masculino hétero ocidental, que muitas meninas ainda não traduziram (dado alguns cheiros de seborreia que enfrentamos no quotidiano).

O creminho, a loção pós-banho, as canelas depiladas suavizadas por algum amaciante cutâneo, os pelinhos finos do braço, os cabelinhos que nascem na nuca. Nessas horas que não entendo como mulher gosta de homem, hahah... porra, tchê, pense em um bicho crespo. Eis o homem!

Mas eis também que há um ponto pacífico entre mulheres ocidentais sulistas tropicais. As sardas. É um problema crônico na auto-estima da mulherada. As mina pira em ver o rosto pintado da cor do óxido de ferro, acham que parece alguma pedra de Marte, provavelmente. Bem, aí é que entra o pessoal com diploma.


Meninas, não. Seus rostos pintadinhos não são feios. São charmosos. E charme é uma beleza que não é óbvia. Produtos que prometem tirar as sardas de um rosto são como um assassinato lento. É como se viessem em mim e dissessem: "Olha, Marat, esse produto vai diminuindo o tamanho de seu pinto ao longo dos meses...". Imagine se eu compro!? Uma Miss Universo tem seu rosto e corpo irretocáveis e lindinhos, sem enganos. Sem charme. Não há pintinhas, sinais, cicatrizes, pelo encravado, raramente celulite. É algo próximo ao ideal do PhotoShop. Fica previsível. Você acha que eu passearia de mão dada com uma miss perfeita? Evidente! Mas iria enjoar rápido.

E é justamente o fato de não haver o charme, o detalhe que deixa qualquer mulher única e diferente, que incomoda. Meninas ouriçadas querendo maquiar suas consideradas imperfeições e nós, homens estudados, querendo que elas mostrem. Elas querendo lentes de contato (piora quando são as malditas coloridas...), nós querendo óculos. Gurias encucadas e plastificando seus seios; nós, preferindo a timidez dos naturais. Isso é fetiche sexual, com certeza! Mas não seria o uso de tal e tal roupa um alimento sacana para nossos fetiches?

Quando o homem disser que determinado detalhe do corpo é bonito, acredite, garota! Ele não tá querendo SÓ te levar para a cama. Ele realmente tá encantado e quer externar isso. Se ele disser o contrário, também leve em consideração. Questão de sinceridade.

quarta-feira, 28 de março de 2012

O inverso do contrário


Exactamente: o título é só para parecer um texto metido a besta. No fundo, é, mas de uma maneira inversa. Entendeu?

Provavelmente, você está comendo super bem agora, lendo isso aqui e pensando. Seu prato de boia choca deve ter uma vistosa polenta rançosa com queijo e carne de segunda, mas tudo com molho guardado há uma semana no congelador de sua velha Frigidaire. Mas eu, camarada, quando me botei a pensar sobre minha segunda viagem pelos Pampas, estava em situação mais desagradável.

Passeei muito bem acompanhado por 15 dias vendo como uruguaios e argentinos se comportavam frente a um portunhol avançado. Deu tudo certo... e eu quero é me focar no último dia. Poupo-lhe por hora dos outros.

Eu tava meio cansado naquela manhã em Rivera. Dormi mal no motel da Uruguaia (deve ser esse o nome da bruxa dona do bolicho), com cheiro de alcatrão e nicotina, gente gemendo e música do Zezé de Camargo em volume considerável. Sem café da manhã, marchei com 40 pila e saí de Santana do Livramento para a cidade-irmã. Comprei umas coisinhas de homem: bebidas, comidas, temperos para churrasco, doce de leite, cigarros e diversão. E fomos para a praça central comer algo, porque tínhamos bilhões de quilômetros de estradas nojentas até Porto Alegre.

Cheio de pacotes, mais parecendo algum novo-rico se locupletando em Buenos Aires, avistamos umas 3 carrocinhas de pancho. Cabe a explicação. O pancho é a versão hermana para um alimento comum nas ruas de nosso estado. Não falo do gauchíssimo xis. Sim... o cachorro-quente!

Sou perseguido por isso. Devo ter sacaneado bonito alguma oferenda de algum pobre em alguma esquina de algum bairro popular desse Brasilzão. Uns dias antes, havíamos enchido a barriguinha próximo à avenida principal de Montevidéu, num evento que marcou uma inesquecível matação de fome oficial no país de baixo. Mas essa vez em Rivera tinha um plus: a proximidade com o Brasil. Perigo!

Sentei, posicionei as compras perto para proteger (eu tava perto do Brasil, lembra?) e veio a garçonete. A negaveia pediu um chivito (=xis com frescura) e eu, um pancho quase completo, sem catchup e sem mostarda.

Ela não anotou. Foram dos 2 pedidos boiando na cachola da criatura.

Quando chegou, vi algo amarelo-vivo saindo do pancho...

- Ô, minha tia... puxa, eu pedi sem mostarda...
- Ah, tá... peraí, que eu vou trocar.


Custava ter anotado, né? Mais uns minutos de terror, fome e desespero. Chega um uruguacho:

- Hola, amigo, quieres meias?
- No, camarada, solo quiero comer!
- Que eso, no necesita brigar... somos todos amigos, hã?


Veio de novo o pancho. Dei uma abridinha e tava tudo vermelho. Catchup. Aí, né, já deu ataque de bichice, fiquei de beiço, cara de num quéio e quase estraguei o almoço da outra.  
Senti vontade de enfiar o raio da comida nas fendas íntimas das empregadas do estabelecimento. Fiz questão de parecer incomodado, levantei e fui na concorrência.

- Por favor, quero um pancho assim, ó...


Esqueci de pedir para não usar um litro de óleo na prensa, mas foi bom. 
Foi melhor ainda porque me embestei a comê-lo nas dependências do cachorro de mostarda. 

Qual a lição que tirei disso? Nunca confiar em hotdogs? Não... talvez tenha sido a de que mesmo que você sapateie e demonstre indignação contra o Sistema, ele sempre vai dar um jeito de continuar aloprando para cima do cidadão comum. Isso mesmo quando sua briga é só por não querer mostarda no pancho.