terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Calorias, gorduras, lípidos e um pouco de milho.

Tenho um problema muito sério com esse negócio de comer fora de casa (no sentido de 'deglutição', 'nutrir as células'). Dificilmente algum estabelecimento desse Brasilzão véio de Deus me agrada por completo. E isso que eu vou frequentemente em locais ditos imaculados da capital gaúcha. É como aquele disco que a crítica classifica como sensacional, daí tu ouve e saca que é, no fundo, só ondinha de bacana metido a descolado, que não tem coragem de ser iconoclasta. E de bundão idólatra Porto Alegre tá entupida.
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Levei a mocinha para passear pela cidade e mostrar os pontos escondidos da paisagem açoriana. A zona Sul da cidade é um local inexplorado culturalmente. Tipo, parece que o ambiente urbano se resume a Cidade Baixa, Centro e Bomfim (isso se escreve separado?). E, tá, são bairros bonitos e fundamentais, mas há mais para ser conhecido. Fiz questão de mostrá-la um pouco da praia de Ipanema, que ao contrário do que pensam, não fica no Rio.
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- Ai, Marat... isso aqui me lembra minha terra... passarinhos cantando e tudo...
- Tô ligado. A parada aqui é chapa quente!
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Depois, descemos mais ao Sul para curtir o visual praiano que domina as terras à beira do Guaíba. Parece outro lugar... tu vê, dá para o malandro morar lá na Ponta Grossa e ainda afirmar que mora em Porto! Dissiparidades sociais evidentes, estrada e mato. Principalmente mato e areia. Mercadinhos de canto de bairro, fábricas e vilarejos que contrastam com um enorme conjunto habitacional burguês, com campo de golfe para os ricos praticarem suas tacanhas habilidades no esporte mais tedioso e sem graça depois do hipismo.
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Após enriquecedor reconhecimento de área, voltamos para a base, no Centro, e esperamos o verso de Gessinger, "anoiteceu em Porto Alegre", tomar corpo. Tive a brilhante ideia de jumento de comer fora, num momento em que seria mais prático, barato e higiênico mandar brasa numa Miojo de Galinha Caipira. Mas nããão... lá foi Marat, querendo impressionar sua garota, levando-a para jantar em algum local já devidamente eternizado pelos cidadebaixenses.
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Um cachorro-quente? Claro... não há como um raio cair 3 vezes sobre o mesmo cidadão. Nem todos os cachorros são ruins. Vem à mente o Faiscão, trailer que permeou minha infância com cheiros de hambúrgueres e salsichas com molho misturadas ao odor agridoce do mato que quase cobria a esquina da Sílvio Delmar Hollembach com a Baltazar de Oliveira Garcia. Foi desativado e com ele se foram memórias, milhos, ervilhas e ripas de madeiras podres usadas como assento.
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Optamos por uma carrocinha situada na Rua da Província, que eu sempre mirava mas nunca tocava. Os caras eram rápidos e trataram a gente como gado. Sinal de boa comida. Quando peguei o meu, já absorto na fome, saquei o erro: esperança. Não, rotedogue bom era só no Leopoldina mesmo... maldição dos infernos, mais uma barca de queijo ralado pra comer??? Mas que infeliz ideia essa de copiar cachorro paulista, tchê? Foda-se se eles gostam de purê em excesso a ponto de esbagaçar o pão! Nós, agora, temos que compensar com queijo salgado, batata palha e maionese? Puta maçaroca
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Aconteceu o óbvio. Deixei, sem querer, 30% da refeição pelas calçadas ensebadas da rua, mesmo tendo todo o cuidado para não passar vergonha frente à mocinha. Ela, por seu lado, me deu uma aula de como aproveitar toda a comida e presenteou o santo com pouquíssimo caldo. Pensei seriamente em fazer lançamento de comida contra os atendentes, de maneira a puni-los vilmente por sua brincadeirinha de mal gosto.
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Saímos dali com barriga cheia (eu, trinta porcento a menos, como já disse), mas beiçudos de raiva pela porcaria que aprontamos sob risadas de metaleiros gordos. Pensando bem, merecem a salmonella que se instalou sem sombra de dúvidas naquelas panças da morte. Fui me curar com uma Zillertal na casa da negavéia. Saudade fodida do tempo dos cachorros prensados.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Segredos do Marat 1

Aniversário de 30 não tem o charme do de 25. Um quarto de século é mais interessante. Só sei que a principal questão era: com que roupa eu vou?
Pirei escolhendo a camiseta 'comemorativa' do evento balzaquiano. Alguma de Rock? Não, não haveria corpo que chegasse para comportar todas. Resolvi usar uma do Inter mesmo.
Porque assim: desde pequeno, sei que sou duas coisas, basicamente: homem e Colorado. Como não tenho uma camiseta escrito 'homem', usei uma do Saci mesmo.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Minoria

Sempre fui um sujeito a me orgulhar de minha condição na sociedade. Escrevia quase em letras garrafais: "sou um homem heterossexual, civil, capitalista, tropical, ocidental, caucasiano, roqueiro".
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Eis que parece que pisar firme nessa proposição se tornou quase crime no meu Brasilzão véio de Deus. Conseguiram, com a Nova Bundamolice (sim, havia uma Velha Bundamolice, chamada Censura e Moral & Os Bons Costumes), criar leis que impedem de minorias serem achincalhadas.
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É o preconceito. Sei (sabemos) que quando isso passa dos limites, a sociedade só atravanca. Não é benéfico pra ninguém. Mas minha visão de preconceito é um pouco mais estreita e passa bem longe de achar que um cara que xinga outra pessoa deva assinar TCs ou ser preso. Isso também atravanca, pois temos que cuidar tudo o que falamos.
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Preconceito pra mim é impedir via documental e física que alguém tenha as mesmas oportunidades que gente dita da 'maioria'. Negros, homossexuais, estrangeiros, deficientes físicos e mentais. Pra mim, todos são iguais e tem condições de seguir adiante e contribuir para a máquina. Sendo assim, não parece absurdo criar leis que garantam que isso DEVA acontecer? Não se pode mais nem pensar algo de ruim pelos outros. Vivemos num mundo de conto de fadas, onde tudo é belo e cultivamos boas vibrações para os outros. É tanta cota disso ou daquilo que começo a achar que é errado ser homem, hetero, enfim...
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Eu é que sou de uma minoria agora. Preciso de leis que me protejam em específico. Estudei pra caramba (assim como poderia qualquer um), tenho bom gosto pras coisas, pago impostos caros, paro na faixa e não poluo a droga do meio ambiente. Tenho um plus: não uso gírias da moda, como "desenvolvimento sustentável" e ainda assim sou engrenagem fundamental da roda.

Tá, o vespeiro tá cheio e mexer nele pode trazer problemas. Vou lá passar um fator 15 nos braços, pegar meu carro, minha garota e meu disco do AC/DC e vou encher a cara de cerveja uruguaia por aí.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Conversinha

- Ai, Marat! Simplesmente não te suporto, idiota! Não te enxerga, cara? Fica aí se irritando com as músicas que eu ouço com meus amigos?! E daí que tu não gosta delas? Escuta as músicas de diabo que tu gosta e deixa de ser preconceituoso! Opção sexual é de cada um, cada um cuida de sua vida! Não dá mais pra te ouvir sempre largando piadinha a cada vez que eu canto. Se eu canto alto, é porque eu sou feliz! Espero que esteja bem claro!
- Tá, tá... saquei. Mas bem que tu podia falar isso com voz de homem, né?...

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Na alegria e na tristeza

Durante minhas férias na casa de minha prima no bairro Tristeza, em Porto Alegre, pude presenciar um troço que vai ficar plantado nas malditas lembranças de 2007.
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Era fevereiro e eu precisava desopilar um pouco, mesmo sendo conhecido como o maior empurrador-com-a-barriga da região metropolitana. Estresse? Só conheci uma vez e foi de me cagar nas calças. A casa da primona era de classe média alta, o que garantiu pleno conforto desse observador torto do cotidiano. A não ser pela insistente presença de ácaros no quarto onde eu ficava, tudo rolou na paz. Pude aproveitar as manhãs para zanzar a esmo pelo bairro e curtir como era calculada a vida de burguês: casas imensas, mal desenhadas (mil peças, mas tudo do tamanho de caixinhas de fósforo), cercas elétricas, cães famintos, esnobismo, cafonice e um carro oneroso enfiado na garagem.
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A presença de guardinhas pela rua dá uma sensação fake de paz. Eles, com toda sua bravura e destreza motora amealhadas em cursos por correspondência, não são páreos para deter a circulação de malditos mendigos, punguistas, meliantes e chinelagem em geral. Porque chinelagem é sempre chinelagem, pouco importando a classificação cretina que os politicamente correctos atribuem a ela.
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E loucos. Esquizofrênicos estão sempre num sofrimento cuiudo nessas cidades grandes. Sei, sei, uma capital, por conta da concentração desordenada de seres humanos, é lugar certo para encontrar uma quantidade abastada de pinéis. E na Tristeza não era diferente.
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Aliás, o personagem que apresento, Carlinhos, era diferente. Era bem arrumado, com camisa polo azul, razoavelmente limpo (quem seria 'totalmente' limpo nessa vida?) e falava com calma. Tinha até umas ideias obtusas sobre como limpar os arroios de Porto, para que seu querido Guaíba se tornasse o outrora estuário espelhado que já banhou as plagas gaudérias do leste.
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Conheci o figura por conta de uma abordagem dele, enquanto eu tirava fotos da prainha no fim da Padre Reus, a respeito de uma camisa verde da Marka Diabo que uso. Ele apontou pro desenho e me perguntou se era a prefeitura de Parobé na estampa (era viajado, o cidadão). Respondi que não, era apenas o edifício da Capitol, em Los Angeles:
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- ... os Beach Boys gravaram lá, saca?
- Ah, é? E o que esse Pit Bóis toca?
- Olha...
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Falei que eram músicas de amor. Menti, mas preferi não estender muito o assunto. Carlinhos me tirou pra confidente. Eis o carma de quem é simpático com a sociedade. Tivesse eu saído correndo, gritando feito um porco fugindo do abate, teria reescrito um trecho de minha história.
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- Ô, cabeludo, porra... cara, eu fui tri apaixonado por uma mina que morava no Nonoai, tchê! Sabe o que é ser apaixonado?
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Não, não sabia. Mas já que o psicólogo era eu mesmo, ouvi a história.
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- ... e um dia ela foi embora pra Guaíba. Nunca mais tive notícias dela. Gisele era o nome dela. Linda, morena cor de carnaval!
- Tá, e nunca foi atrás da mulher, tchê? Só pegar um busão e se mandar pra Guaíba. A cidade é pequena.
- Tu tá louco? Tá achando que eu sou burro? A ponte móvel tá pra cair, cara! Tem levantamento da prefeitura, do governo federal e dos Estados Unidos... o Saddam fez, sério, tá registrado no cartório do Centro... que a ponte tem problema na estrutura e pode desabar a qualquer momento...
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Teorias conspiratória.
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Enfim... como Gisele e ele eram muito ligados espiritualmente, era lógico imaginar onde ela estava em Guaíba:
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- Tá morando na Avenida Alegria, cabeludo! Saca? Eu moro aqui na Tristeza. Ela mora na Alegria. Tá tudo conectado com o espaço, eu li muito isso. O Sistema Solar é pai de todos os corações puros na Terra. Ela me manda mensagem assim. É lógico que ela mora lá. São antônimos, tá ligado? Ela brincava que éramos opostos que se atrairam...
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A Alegria é uma avenida litorânea que, com muuuito custo, dava pra ver de onde estávamos. Cogitei a ideia tola de dizer ao sujeito que havia visto um corpo da cor do pecado se querendo no horizonte, mas seria muita judiação.
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- E o que tu pretende fazer pra reencontrar a mulher? Lançar uma garrafa com um bilhetinho na correnteza, pra chegar lá, hahahah?
- Ôooo... peraí: baita ideia, cara! Porra, meu, tu salvou minha vida!
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Sim, no outro dia lá estava ele no mesmo horário, de camisa do Zequinha e bermuda de 10 pila. A garrafa veio até com o rótulo de Walesa, uma vodka misturada com metanol que vendem para metaleiros pobres. E um bilhetinho dentro, amarrado com fita mimosa verde. Carlinhos veio todo feliz pro meu lado:
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- Taí, cabeludo... a Gisele agora vai saber que eu tô esperando por ela!
- Qual é teu plano com essa parada?
- Vou pegar aquela canoa ali, remar até uns 30m pra dentro do rio e jogar a garrafa. A correnteza que se vire pra levar a garrafa até a mulher, né mesmo?
- Ô, certamente. Tem certeza absoluta que ela tá ligada nessa coisa de Alegria e Tristeza que nem tu?
- Ah, ela é muito inteligente...
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Ela, talvez. Mas meu amigo não. Se errou todo pra remar o barquinho, quase caiu, deu uns berros contra o vazio, jogou a garrafa e imediatamente retornou, sem nem olhar pra onde sua mensagem tinha ido. Eu já não estava mais ali, pois achei que seria prudente tirar meu time de campo, com medo de ser acusado de cúmplice de roubo de caiaque.
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Pelos cálculos de Carlinhos, a garrafa iria naturalmente até a Alegria por contra da correnteza Sul do Guaíba. Ao fim da tarde, voltei à prainha e vi meu brou sentado na beira da areia, em estado catatônico, chorando:
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- Que que deu, bicho?
- Cara... a correnteza é Norte. A garrafa foi pro Norte, cabeludo! Porra...

(crowd goes sad: "Ahhhhh...")
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Que foda, hein?! Segundo suas conjecturas, a droga da garrafa deve ter ido parar na Ilha das Flores e alguma ribeirinha protagonista de documentário cult está se batendo para entender a esculhambação sentimental registrada por ele.
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O certo é que até o fim de minha tour pela Tristeza, semanas depois, podia ver Carlinhos absorto em sua decepção, com a mesma roupa, estourando violentos crivos, sem nem pensar em como consertar seu imaginado erro.
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Imaginado, sim. Ele errou, mas de outra maneira. Havia certamente alguém na Alegria pensando em como encontrar seu rico príncipe nas margens portoalegrenses, após desdobrar o nó da fita mimosa. A correnteza era mesmo para o Sul.
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