sexta-feira, 23 de abril de 2010

Acho que fizeram um gol...

- Acho que fizeram um gol... vem cá ligeiro!

Bela maneira de encerrar uma mijada. Minha mãe chamando para eu ver um gol. Lógico, era do Barcelona! Até que demorou muito para os desgraçados comandados por Ronaldinho encaçaparem uma. Se tomássemos um só seria lucro.

Mas... como assim, mãe, “fizeram”? Será que ela não se tocou, desde o início da transmissão na TV, que o time de branco era o Inter e o grená, o Barcelona? Enquanto eu sacudia o pinto a respingar pelo vaso e arredores, ficava pensando em qual, diabos, dos times tinha balançado a rede. Mamãe bem que podia ser mais restrita e dizer que foi a equipe de branco ou a grená a ter feito o crime. Certo que era a grená. Era a que estava comemorando, não?

- Não sei... ó, vem cá...

Coisa de gente que não tem mais 20 anos. Não soube distinguir quem comemorava; só faltava essa! Mas gentes velhas têm seu valor em minha vida. Juntando a cueca azul-marinho, que tinha dado sorte na Libertadores, saí do banheiro às pressas, pensando em tudo o que eu passei até chegar aquele momento.

Aos 6 anos, eu já era Colorado e tudo o mais. Crianças gremistas e torcedores do Inter se davam bem. Jogavam bola juntos, andavam de bicicleta e, inocentes, cada uma sabia cantar o hino do clube rival. Era engraçado... um dia cheguei em casa, num desses apartamentos de condomínios da Guerino, em Porto Alegre, cantarolando que o Grêmio tinha sido campeão da América. Meu pai usou a psicologia necessária ao momento:

- Olha aqui, piá: se eu te pegar de novo cantando essa merda, te dou uma porrada!

Depois disso, o coração se tingiu em definitivo de vermelho. Foi nessa época em que ouvi meu primeiro jogo do time, via rádio. Estávamos em cima de um caminhão cretino e velho, eu e todos meus amigos, ouvindo um modorrento Inter e Flamengo, joguinho meia-boca da Copa União...

Cheguei à sala. Meu pai e minha mãe olhavam incrédulos para o televisor. Minha gata dormia no sofá, alheia ao mundo cruel que a rodeava. Criei coragem de olhar para a tela.

- ... Adriano é o nome dele!!!

Não... não. O nome estava errado. O narrador estava redondamente enganado. Esse jogador era do Inter. Ouvi direitinho um apito do juiz: na certa, iria dar impedimento. Claro, era isso. Tava impedido. Ninguém faria um gol no Barcelona de 2006. Sabe, era o mesmo time que não fazia poucos dias que tinha enfiado 4 gols no América do México. Jogavam por música. Todos aqueles clichês estapafúrdios e batidos e previsíveis sobre o futebol-arte... tudo ao mesmo tempo num time só. Juntando isso a uma sorte e um marketing danado, tínhamos, então, o Barça do Deco e do Ronaldinho.


Eu ouvi o jogo contra o América na escola onde dou aula. Meus alunos só diziam “gol... é o quarto do Barcelona”. Um sentimento de incredulidade tomou conta da parte vermelha da garotada. Me olhavam como quem procurando um alento, um consolo com o irmão mais velho. Será que dava pra vencer? Sei lá... o Inter já tinha enfrentado o time catalão algumas vezes na história, mas em épocas diferentes e sem essa rivalidade. Nada disso importaria no dia 17 de dezembro. Os registros são resetados nessas horas.

Era gol mesmo do Inter. O narrador queria dar metade da taça pro sujeito que passou uma bola medonha pro tal Adriano. Eu nem lembrava da existência desse Adriano. Depois que saquei que a torcida colorada tinha bronca com um tal de Gabiru. Eu não tinha. Para mim, ele era o cara que entrou no lugar do ídolo Fernandão e era, a partir de então, o melhor jogador do mundo.

Acho que dois dias antes, na mesma escola, rapazes do 3º ano fizeram um bolão. Um pila a aposta. Placares absurdos, como 5x0 para o adversário do Inter, foram comuns. Eu apostei no contrário:

1x0 pro Colorado. Pode anotar!

Risadas. Claro, né? O Inter estava sem seus principais jogadores, vendidos depois da campanha da Libertadores, e ia enfrentar o bicho-papão do futebol europeu.

Depois do gol, depois que a ficha caiu de verdade, saí correndo pela sala de casa, minha gata cruzou na minha frente com o pavor do barulho da mesa de centro (que recebera uma porrada minha, de faceirice), quase piso nela, tum, tum, tum, meus pés fizeram ruído pesado no chão, abri a porta da sacada, me empoleirei na grade e gritei, como se tentasse reativar o espírito de Colorados mortos:

Cadê o Ronaldinho? Cadê o Ronaldinho? HHAhAhaHA...

O resto todo mundo sabe: cobrança de falta dando cagaço na trave do Clemer, golpes de vista para tirar chutes grenás, defesas impossíveis, amarração, marcação, nó na garganta e o inferno. Ganhei R$ 6,75 do bolão, gastei em xis e refri pros meus amigos de aposta e entrei para minha própria história. Tudo teve um desfecho feliz naquela manhã quente de dezembro. Talvez tenha sido tudo por meu avô.

Talvez tenha sido algo premeditado mesmo, como disse Veríssimo. Aquele Inter e Flamengo, que eu escutei na rádio quando criança, tinha terminado num pachorrento 1x1.


publicado originalmente no Beco do Sapulha .

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O justiceiro

— É? E que tipo de música tu curte...?
— Ai... eu gosto de tudo. Eu sou bem eclética!


Começamos mal. “Eclética” para mim é a criatura que ouve qualquer bosta que lhe oferecem e acha que está no hype por isso. Não faz o mínimo discernimento entre Rock e sertanejo pelo fato de não ter nem uma rasa cultura para diferenciar néctar de ranho. Denise era assim. Pobre alma.

Mas era gostosa, e isso é muito importante. Era morena jambo, do tipo vileira bonita. A cara entregava a casta, por mais que alisasse o cabelo certamente outrora pixaim. As coxas grossíssimas eram uma atração à parte: de tão fortes, raspavam uma nas outras, deixando o caminhar de Denise particularmente jocoso. Mas, enfim...

Combinei com ela para buscá-la à noite, naquele frio do início de inverno. Liguei meu mini-aquecedor (“tudo na casa desse cara é mini...”, já diria meu amigo Rodrigo) e busquei a Dê. Estava muito bonita, embora a roupa me desse a entender que seria um trabalho medonho para revelar aquele corpão.

Pessoas pixains. Pessoas crespas... deusducéu, como enfrentei isso em minha puta vida. A cada conquista, depois de gastar litros de meu Latim de boteco, eu pensava: “Puta merda, mais um conjunto mortífero de pelos encravados, braços arrepiados e cheiros pesados...”. Depende muito do nível social onde o cidadão ataca. Ou não. Eu já saí com mulheres que dariam orgulho aos nazistas, tal o sangue ariano... e, no fim, crespas. Gente mal cuidada, saca? Tão certo quanto esquadrias de janelas de prédios públicos saírem tortas, certo como bombons envelhecerem rápido, tão certo quanto velas fazerem luz solar em filmes é o fato de que eu pareço um gênio pra essa mulherada, só por organizar minimamente meu palavreado. É cômico.

Pensando melhor, eu mereço, pois já fiquei com meninas insuportáveis que tinham o peito de, deitadas em minha cama, largar bobagens obtusas nos meus ouvidos:

— Sabe, no início eu não gostava de ti, mas agora...
— ... mas agora tu tá aqui pelada na minha frente, né?
— Ai, guri idiota...


Denise era mais na dela. Logo se encantou por um maldito livro que eu estava lendo e que falava sobre Simbolismo. Se encantou comigo, na real, porque pareci um gênio... cê sabe. Disso para rebocá-la pra casa foi um tapa.

O que me irritava de verdade na morena era seu péssimo gosto musical. Prefiro não citar tudo o que eu sabia que ela ouvia. Seria constrangedor. Por mais que fosse um amor de pessoa, simpática, doce e levemente safada, ela tinha que ser punida sumária e exemplarmente. Uma tunda de laço naquela bunda fofa não ia ajudar em nada, mas deveria ser delicioso. Lembrei de quando Joana veio, numa tarde, aos meus braços, fugida novamente de seu marido:

— Ui, que música estranha é essa...?
— Shhhh... é Donovan... fica fria e deita aqui de novo.


Era isso: a punição seria espinafrar boa música na cara da vileira. Imagino ela saindo só com trabalhadores-braçais oblíquos sem um posicionamento filosófico convincente:

— Que música tu quer ouvir, Denise, meu amor?
— Tem pagode?
— Tem, claro...
(entra no som do hino parobeense: “Deixa acontecê na-tu-ral-mente...”).

Falei em posicionamento filosófico? Bem, minha filosofia naquela noite foi anunciar que ela ouviria algo diferente. Fucei nos meus vinis e puxei o assustador “Cabeça dinossauro”, dos Titãs. A capa foi um impacto. Coloquei na vitrola e botei o volume alto o suficiente, direto na música título.

— E aí? Gostou? — perguntei sarcasticamente.
— É... diferente, né?
— Pode crer! Tá, vem logo pra cama...

Eu estava vingado: como uma torta de chantilly à la filme pastelão, joguei música boa nos cornos da mocinha. Vitória, rapaz! Você é mesmo um justiceiro do bom gosto. Hordas de cabeludos cabaços agradecem sua ousadia e entrega ao ideal roqueiro.

Ela se vingou também: sua roupa era realmente difícil de tirar e não saiu de seu corpo a noite toda.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Ela voltou ao quarto

Ela se levantou da cama e puxou junto um pouco do lençol que me cobria. Não importava... o ambiente no meu quarto tava quente, mesmo com o ventilador de teto ligado no talo. O cheiro que circulava entre roupeiro, mesa, TV e cama decerto era bem diferente do aroma natural da casa. Um misto de suor, cama molhada, vagina, pênis, látex, bunda e cabeças. Devia de tá um horror, mas me acostumei.

Ela foi até o banheiro se lavar. Joana estava pingando de meu esforço, com marcas de mordidas, beijos violentos e dedos nervosos. Vestiu uma camisetona GG que eu tenho estrategicamente disposta para auxiliar meninas a circularem à vontade em minha residência. Ela estava desesperadoramente gostosa naquele fim de tarde. As pernas judiadas pelo namoro-casamento montado às pressas não se deixavam obliterar pelas poucas cavidades de celulite.

Era lindo de ver sua bunda enorme e firme escapando dos limites da bainha da camiseta, entrecortada pela calcinha brega (cheiro artificial de morango). Seus seios pequenos fincavam sofregamente a roupa, como quem querendo crescer para me agradar mais. Nem precisava, pois seus quadris eram de fazer eu cometer um crime para morar dentro daquelas carnes todas. Delícia.

Uma mulher completa, já, aos seus 17 para 18 anos. Precisava mesmo sair de casa, morar com algum gaudério xucro que lhe bancasse casa e comida. Seus pais deveriam sofrer o inferno com ela e sua irmã, já mãe. Meninas querendo pular a janela de casa para dar para algum pobre trabalhador-braçal que lhes agradem incomodam toda a vizinhança. E eis aqui ela, casadinha e se entregando para um cabeludo sujeira como eu.


E dava, meu Deus! Parecia gastar a vontade de meses. Todavia, não colaborava nem uma beirada para fazer com que eu entrasse em seu corpo branco. Deitada na cama toda errada, acusava notável inabilidade de fazer uma das coisas mais simples do mundo, totalmente submissa. Ao beijá-la enquanto a penetrava, dava pra sentir uma felicidade oblíqua, depois confessando que seu marido não fazia isso quando a tomava como mulher. Romantismo zero do cidadão... e ponto pra mim. Pelo que gemia, eu tava no caminho certo. Sublime.

Joana deixou a porta aberta. Eu podia ver sua movimentação calculada. Baixou a calcinha brega, sentou com jeitinho e ouvi o barulho de líquido descendo... pensei nos meus amigos pirando num negócio desses; na certa, sugeririam brincar de chuva dourada; um asco! Pegou bastante papel para se limpar, imaginando que eu continuaria no saboroso oral feito com vontade nela. Era cheirosa. Não, ela tinha um cheiro neutro, de corpo, não daquelas mulheres de pele grossa, com foliculite e cheirando a bunda o tempo todo.

Foi à pia, abriu o armarinho, pegou uma escova de dentes (a minha, sem problemas), encheu de pasta barata e começou um balé com os braços. Pude ver de longe os delicados movimentos que seus braços servis descreviam no ar, guiando minha escova em sua boca. Pelo canto, a espuma escorria e caia na porcelana. Logo pensei besteiras, que certamente colocaria em prática tão logo pudesse. Doce. Demorou naquilo. Cuspiu algumas vezes e, finalmente, se lavou, limpou todo o rosto, buscou um pente e alisou seus cabelos castanhos ondulados. Ela olhava em direção à minha porta, mas não me via por conta da escuridão. No rosto, uma expressão quase burocrática, de quem já fizera tantas vezes os mesmos roteiros. Secou seu rosto e voltou para meus aposentos. Linda.

No quarto, me perguntou o que eu estava olhando. Bem, não é todo dia que uma mulher corpuda daquelas entra tão desavisadamente no meu ninho. Eu tinha o direito de curtir minha conquista e dar risadas de meus tempos de outrora. Lembro bem da vez em que peguei uma caipira com pele italianada e fui adentrar a pequena em seu quarto, na casa de seus tios, que a criavam. Sob a tutela deles, a menina (homônima à cidadã que estava de pés descalços agora em meu antro) não poderia “ficar trancada no quarto”. Um dia chaveou a porta e foi advertida com grossura. Pais ou tios não querem que façam com suas filhas e sobrinhas o que eles mesmos fizeram com as filhas e sobrinhas dos outros. Situação embaraçosa. Pois agora havia uma mulher decidida e com poucas amarras (hoje, casório é amarrinha mixuruca), que por mais que fosse medida em seus modos, tentando, sei lá, não parecer tão atirada, podia se trancar comigo sem receios.

Que tarde aquela! Seus cabelos ainda continham nós por conta de minhas mãos domadoras de sem-vergonhas. Ela já estava arrumando os tênis para vestir. Desvirou as meias rosas, desvirou uma perna de sua maldita calça saruel, ajeitou a calcinha, juntou o sutiã e se jogou de volta na cama, num ímpeto de fofura. Por que será que eu achava coisas tão banais, feitas por uma mulher razoavelmente banal, tão interessantes? Ela fuça em sua bolsa, revira carteira, pega o celular, olha a hora e comete um crime...


Eram fotos do afilhado ou de alguma criança nojenta qualquer.


Fotinho de afilhado no celular, NÃO!


Dei dois reais para o ônibus e mandei-a embora na hora.

terça-feira, 13 de abril de 2010

A cerveja e o ladrão

— Mmm... hehehe, pelo visto não sou só eu que vou tomar cerveja pra ver o jogo hoje...
— É, hahahaa... tem que ser, né? Não tem coisa melhor.

É, ter, tinha. Acho que minhas duas long necks mostravam um gosto mais refinado que as seis latinhas da Ludmila em cima do caixa do supermercado.

Muito comum esse nome onde moro. Impressionante.

Enfim, aqueles quadris judiados sumiram de minha vista logo a seguir. Judiados mesmo, coisa de mulher tratada a trago, noites mal dormidas, cerveja, comida e anticoncepcionais desencontrados. Mas tinha charme, a putaça. Parecia um carro antigo, uma Kombi, com quilômetros rodados, terrenos difíceis vencidos, reformas mal feitas, branca e cheia de utilidade ainda. Tivesse eu oportunidade, pegaria a Ludmila. Mesmo que eu soubesse que não era tarefa tão complicada assim.

Minha vez de pagar minhas cervejas. Enquanto eu estava ali, adentrou um sujeito acompanhado de sua decadente esposa, um pobre diabo na certa devedor das calças a alguma loja que lhe enterrou juros e tudo o mais. Foi provavelmente comprar mantimentos e antepasto para sua enorme família de ranhentinhos. Entrou no mercado com uma camiseta dessas associações futebolísticas semi-amadoras de alguma favela. Perdão, de alguma comunidade, enfim.

Algo se movimentava suspeitamente debaixo de sua camiseta e eu pensei que era algum guaipeca sarnento que ele devia chamar de “meu cusco”. Não pensei em armas ou algo assim, pois estava com os quadris da Ludmila ainda povoando minha cabeça imunda. Mas logo saquei que era o maldito braço do cara, certamente quebrado e tapado de gesso. Botou o braço pra dentro da camiseta a fim de proteger aquela bosta da fina chuva que assaltava Taquara.

Caso encerrado pra mim. Mas uma tia, com seu carrinho cheio de comida de rico, ficou encucadíssima com aquele organismo enorme se mexendo debaixo da camiseta do cidadão. Deve ter pensado tratar-se de alguma arma de fogo ou algum disfarce ridículo para algo que ele poderia roubar de dentro do mercado. Fiquei pensando na falta que faz um quadril na mente das pessoas nessa hora.

Imaginei, também, que ela iria direto nos ouvidos dos meganhas do mercado acusar a presença de um malfeitor no convívio de pessoas decentes. Os seguranças, temerosos pelos clientes, todos cretinos, claro, iriam abordar o pobre bicho:

— Ô, rapá, aquela dona lá disse que tu tá ferrado aí, malandro!
— Capaz, capaz! Tô com a porra do meu braço fodido pra caralho... aqui, ó!
— Perdão e desculpe-nos.

O trabalhador-braçal se dirigiria até a velha e diria algo do tipo:

— Minha senhora, quando não tiver nada para fazer, favor comprar comida pra minha família, que passa uma fome do inferno!
— Mas, mas...
— E casa um crivo pro maridão aqui, também...

Seria um desaforo à falida sociedade taquarense. Nada de pedidos falsos de desculpas. Uma cesta básica todo mês para alimentar uma tigrada seria melhor.



Paguei as cervejas capitalistas e opressoras e esperei uma goleada. Mas não contra o meu time, como foi o que aconteceu. Os quadris esbagaçados de Ludmila fariam melhor ao meu ego.

sábado, 10 de abril de 2010

Solos: coisas que vieram à cabeça numa manhã de insônia:

  • Os anos 80 causaram um rebu mesmo nessa década. Por mais que as camisas xadrez estejam voltando, apontando talvez a imersão inevitável nos anos 90, a década dos Changeman ainda dita moda. Mais uma prova, se é que você não se tocou que a coisa tá cheia de cor mesmo:

  • O Jota Quest andou aparecendo em um comercial de TV do tal "Monange Dream Fashion Tour", uma mistura de show com desfile, pelo que eu entendi. Não achei no Youtube, mas peço que você lembre dos bonequinhos coloridos dançando, de pano de fundo, enquanto era anunciado local e hora do rico evento. Bonecos, esses, colocados de maneira simétrica, cada qual com uma silhueta colorida, tipo mais ou menos isso:

  • Que que isso tem a ver com os anos 80? Bem, a Legião Urbana já tinha feito algo semelhante em 1986, na capa de seu compacto "Tempo perdido" (isso eu sabia desde 99):

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Nas ondas da rádio-baile

- Mmmm, pensei que tu não ia mais vir...
- Capaz... e eu ia deixar de sair contigo, decerto?!

Era a segunda ou terceira vez que eu ia sair com a Juce. Era uma menina que não tinha droga nenhuma, nem uma porcaria a ver comigo. Era, no máximo, simpaticíssima e prestativa. E tinha um razoável charme. Meu parça, o Costela, disse que era incrível que nós encontrássemos charme nessas mulheres, pois só assim justificaríamos o bagrêdo que pegávamos. No caso da Juce, consegui meus intentos sórdidos na 1ª vez; agora, queria mais uma.

Estacionei meu carro na frente da casa dela, uma dessas construções feitas a esmo, um sobrado sem a menor graça, virado em lajota lisa no chão e paredes cinzas de cimento mal misturado. Achava um horror aquilo, mas era a casa dela, enfim... devia se sentir bem dentro de seu quarto com estantes viradas em caixas de sapato. Foi ali onde rolou uma sessão safadíssima no último encontro.

- Fica aqui na sala, enquanto eu me arrumo no banheiro.
- Chuchu beleza...
- Quer ouvir uma música? Vou ligar o rádio.

Temi. Vai saber que tipo de música gostava a menina... nem deu tempo de eu pensar. Ele foi direto ao dial e colocou na mais popular das rádios da região. Desceu em meus ouvidos uma torrente de melodias do fino do baile de periferia alemã. Vai saber quanto tempo a Juce iria se demorar naquela afeitação toda. Que agonia, meu Deus! Passearam na minha frente toda a sorte de trabalhadores-braçais e seus tios e tias e primos e casamentos fracassados, dançando na pista ao som de trompetes mexicanizados e animação vocal para cães. Uma merda! O que o cidadão não faz só para sair com alguma incauta qualquer...?! Um dia eu tomo tento. Talvez não.

- Tá prontinha, já? Vamos lá!

Coloquei-a no carro e vislumbrei a noite de prazeres que teria. Ela estava bonita para seus padrões minguados. Usava roupas que o dinheiro permitia comprar... e isso era pouco. Uma vez eu estive num puteiro cretino do quinto dos infernos. Fomos levar um amigo nosso de uns 20 anos que tinha uma timidez de ostra e um hálito miserável. Levamos o pobre para conhecer os prazeres da carne nesse antro de mulheres automatizadas e judiadas.

Depois de muito convencer as tias de que o rapaz merecia coisa melhor, por ser sua 1ª vez, eis que surge Graziane, algo assim, a última cartada da cabana para que os rapazes dali não saíssem de pinto abanando. A moça era bonita, mas aquele bonita meio acaboclado, sabe? Morena de trabalho sob o Sol... parecia que a desgraçada trabalhava com a fuça recebendo raios solares o dia todo, sem creme nem nada. Suas roupas eram de puta pobre. Notoriamente, Graziane meteu seu vestido vermelho e seus tamancos no intuito de ficar bonitinha... até ficou, mas não por conta de seu visual deprimente.

Juce estava nesse espectro, tadinha. Tão boa pessoa, ela. No caminho para minha casa, enfadado daquele baile todo, me deu a louca e achei legal botar os cachorros nela. Sei lá porque cargas d’água eu desatei a discutir seu gosto musical:

- Olha, Juce, nós vamos chegar em casa e vamos ouvir algo que preste e tudo o mais...
- Tu tá dizendo que meus bailes não prestam? Eu gooosto...
- Não tô dizendo isso. Mas você já é grandinha e pode ouvir certas coisas... sabe? Tipo, tu passou da idade de ouvir bailão há horas... isso aí é coisa pra gente que tem menos de 15 anos e...
- Ai, eu não falo dos teus gostos, bla, bla, bla...

Climão bacana no carro. Só eu mesmo. Um dia tomo tento na vida. Ou não.

Chegamos (“cheguêmo”, como diriam esses infelizes operários) em minha casa e Juce desceu do carro. Corri para fechar o portão e só aí percebi a cara beiçuda da garota encostada no meu carro.

- Ei, Juce... qualé?
- Ah, tu só fica me xingando, dizendo que eu só ouço porcaria... me leva pra casa!
- Ah, que isso, deixa disso, vai...

Aí, veio uma profusão de um papinho louco de mole para convencer a mocinha de que eu não falei nada por mal. Funcionou: em 10min, estávamos sem as malditas roupas.

Quanto a meu amigo? Bem, eu marchei com 27 reais dos impensáveis 40 cobrados por Graziane, por meia hora de prazer. Quando fomos buscar o cidadão, carregamos o vitorioso no colo e fizemos festinha nele.

- Curtiu, então, seu safado cretino?
- Fffffoi bom...
- Mas ahh, guri veio!
- Ainda quero voltar lá...
- Óóóó... pegou gosto pela coisa? Eu sabia, ahhaha... que massa, meu!
- É... é para fazer direitinho, daí...
- Que, meu? Mas... mas...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Vamos comer cachorro-quente?

Vamos comer cachorro-quente no Klutz? – perguntou Melissa.

Ela sabia que eu estava morrendo de fome. Eu sempre classifiquei uma janta como sendo o ápice da bundamolice entre pessoas de um mesmo grupo social, mas um cachorro de tarde, naquele frio razoável, não me parecia mau.

— Klutz? É bom esse troço aí?
— É triiii bom. Bah, todos meus amigos comem lá quando podem...


Ó, o lugar tinha esse infeliz crédito. Os amigos freak da Melissa iam lá... uau! Isso não me cheirou bem. Começa pelo fato de que eu conhecia os amigões comedores de cachorro-quente que ela tinha. Eram um bando de cabaços! Certamente, se dessem merda a eles, esses tapados comeriam e diriam para todo mundo que era a melhor merda desse mundo. E outra: tenho trauma desse tipo de comida em Porto Alegre.
Quando eu tinha uns 12 anos, fomos numa Brasília até a Vila Nova, numa exposição de sei lá o quê, pouco me importava. Na saída, pedi um cachorro-quente pra minha mãe. Ela parou numa carrocinha e comprou. Fomos muito bem atendidos... na verdade, atendidos de maneira a sentir pena do casal que preparou a refeição. Senti algo estranho quando mordi. Claro, faltou o maldito molho! Tenho uma teoria, que não queria ver funcionando no Klutz: toda vez que um cidadão é muito bem atendido, ou atendido de maneira a pensarmos “puxa vida, que gente trabalhadora”, é sinal de mau agouro. É fatal. A comida será ruim. Bem atendido? Comida ruim. É o que penso.

Chegamos ao Klutz, que fica no amontoado de lojas decrépitas do edifício da antiga Ajax. Minha mãe trabalhou na empresa, de secretária dos altos chefões. Dizia ela que os caras a tratavam numa boa e o ambiente era tranquilo lá nos andares de cima. As mulheres da firma trabalhavam nos andares inferiores, e diz ela que era um saco aquilo. A mulherada causava um puta alvoroço quando atuava junta. Era choro de TPM pra cá, ciuminho pra lá, pé na bunda... até imagino a cena. Essas histórias devem estar gravadas nas invisíveis rachaduras desse tipo de prédio, que é definitivamente feito de pedra, com lágrimas e absorventes escorrendo pelos ralos de ferro, manchas de caneta e batom e madeira de encostos riscados nas paredes e carpetes gastos e manchados de mofo.

O Klutz era um local pútrido, nojento e com aparência de ensebado, mas por essa razão e por manter uma decoração brega e geométrica, misturando eucatex vermelho, amarelo e preto, com espelhos em formato de xadrez, parecia legal. Comecei a confiar na comida do Capitão Klutz.

— Vamos lá pro 2º andar. Eles servem lá também.
— Bora lá, então... dá pra ver a Borges lá de cima?
— Dá, sim. Vem, vem...



Eram três andares. Todos com a mesma aparência de restaurante que estava pronto para ser fechado pela vigilância sanitária. Pobre edifício da Ajax. Agora tinha mais essas histórias para contar. E eu pensando que iria me esbaldar com uma lauta comidinha.

— Opa, camarada... o que o casal vai querer? – Fodeu: fui bem atendido.
— Bah, me vê um com duas calabresas.

Imaginei que as lingüiças deveriam ser finíssimas... bem, eis que chegou o demoradíssimo cachorro. Deusducéu, quem são os cretinos que fazem essas comidas? Ah, sim, claro, decerto os mesmos cretinos que comem essas drogas. Aquilo parecia uma barca! Sério, parecia uma merda de uma grande canoa cargueira, carregada de muito milho, inconcebíveis ervilhas, duas calabresas enormes e uma quantidade incomum de maionese.

A última vez em que comi algo parecido foi no melhor lugar de Porto Alegre para esse tipo de coisa, super premiado por toda a crítica. Fomos fazer um show dos infernos na Goethe, numa terça. Previsão de pouca gente, que se converteu a zero ao, bem na hora de nosso lanche, desabar o Atlântico todinho na capital. Chegamos ensopados no Cachorro. Eu, particularmente, só lembro do queijo ralado por cima da mesa e uma cara de insatisfação cômica dos convivas. Pois no Klutz, trocou-se o queijo pela maionese, sem eu saber se era industrial ou caseira.

Um dia eu surgirei com uma droga de comida dessas na frente de uma mesa onde estarão sentados os imbecis que elegem essas merdas os melhores cachorros-quentes do mundo, ao lado dos incontáveis debilóides alternativóides que acham que gostam disso. Eu pegarei os cachorros todos, dentro de suas medíocres embalagens de papelão, e farei um tiro ao alvo na cara dos otários. Será uma punição debochadíssima! É, eu acho que seria legal nesses torneios onde recebem suas medalhas de latão haver também um prêmio-abacaxi para quem perdesse. Tipo, uma torta de chantilly na cara... não, um cachorro-quente do Klutz. Direto na cara do perdedor, com a plateia toda rindo pra caralho. Poderia ser um palhaço, desses tristes e sofridos animadores de aniversários infantis, o sujeito a jogar a comida na fuça dos derrotados. Merecido.

Melissa parecia se deliciar com a comida. Tinha uma maldita prática em enfiar coisas grandes pra dentro da boca. É, eu bem já sabia disso. Mas eu... na segunda mordida, eu consegui o que temia: engraxar o chão com uma vistosa golfada de maionese, molho, milho e ervilha. Fez plush no chão! Era muita coisa no piso e na mesa de 15cm de comprimento e 3m de largura. Pensando bem, já que eu estava deprimido com o fato de não poder matar minha fome com certa tranqüilidade, resolvi avacalhar mesmo e deixar com que as gotas mil desabassem pelo chão, cadeira e mesa. Haveria algum trabalhador-braçal morador de Alvorada que limparia aquilo e, de saco cheio, transmitiria sua indignação ao dono do Klutz:

— Porra, chefe... tá foda de limpar isso aqui todo dia!
— Qualé, Jeremias? Tá querendo trabalhar em outro setor ou vai pular fora?
— Nada, seu Álvaro, mas bah... essa graxa da maionese tá fodendo com meus tendões...
— Não gosta dos nossos cachorros-quentes? É isso?
— Pra dizer a verdade, prefiro os da carrocinha aí da frente. Eles não exageram na maionese e no milho. Experimenta limpar caaaada mesa depois que comem aqui. É uma droga! O que sobra diariamente no meu balde d’água daria pra alimentar a vila Cavalhada II facinho!
— Ora, mas vá para a...



Nenhum patrão gostaria de saber que está gastando além do normal e do necessário com suas coisas. Principalmente pela boca de um funcionário, que escolheu não viver o lado alternativóide da vida e não aplaudir tudo que lhe dizem ser delicioso.

Pagamos a porcaria dos cachorros, eu blasfemei muito contra as enormes calabresas cor de vinho e fomos pela Borges a pé. Um mendigo me pediu alguma comida e eu o mandei buscar na lata de lixo da espelunca atrás de mim.

Na altura do viaduto, peidei para deixar a situação tragicômica também para Melissa. Não era justo só eu tomar aquela foda.