quinta-feira, 8 de abril de 2010

Vamos comer cachorro-quente?

Vamos comer cachorro-quente no Klutz? – perguntou Melissa.

Ela sabia que eu estava morrendo de fome. Eu sempre classifiquei uma janta como sendo o ápice da bundamolice entre pessoas de um mesmo grupo social, mas um cachorro de tarde, naquele frio razoável, não me parecia mau.

— Klutz? É bom esse troço aí?
— É triiii bom. Bah, todos meus amigos comem lá quando podem...


Ó, o lugar tinha esse infeliz crédito. Os amigos freak da Melissa iam lá... uau! Isso não me cheirou bem. Começa pelo fato de que eu conhecia os amigões comedores de cachorro-quente que ela tinha. Eram um bando de cabaços! Certamente, se dessem merda a eles, esses tapados comeriam e diriam para todo mundo que era a melhor merda desse mundo. E outra: tenho trauma desse tipo de comida em Porto Alegre.
Quando eu tinha uns 12 anos, fomos numa Brasília até a Vila Nova, numa exposição de sei lá o quê, pouco me importava. Na saída, pedi um cachorro-quente pra minha mãe. Ela parou numa carrocinha e comprou. Fomos muito bem atendidos... na verdade, atendidos de maneira a sentir pena do casal que preparou a refeição. Senti algo estranho quando mordi. Claro, faltou o maldito molho! Tenho uma teoria, que não queria ver funcionando no Klutz: toda vez que um cidadão é muito bem atendido, ou atendido de maneira a pensarmos “puxa vida, que gente trabalhadora”, é sinal de mau agouro. É fatal. A comida será ruim. Bem atendido? Comida ruim. É o que penso.

Chegamos ao Klutz, que fica no amontoado de lojas decrépitas do edifício da antiga Ajax. Minha mãe trabalhou na empresa, de secretária dos altos chefões. Dizia ela que os caras a tratavam numa boa e o ambiente era tranquilo lá nos andares de cima. As mulheres da firma trabalhavam nos andares inferiores, e diz ela que era um saco aquilo. A mulherada causava um puta alvoroço quando atuava junta. Era choro de TPM pra cá, ciuminho pra lá, pé na bunda... até imagino a cena. Essas histórias devem estar gravadas nas invisíveis rachaduras desse tipo de prédio, que é definitivamente feito de pedra, com lágrimas e absorventes escorrendo pelos ralos de ferro, manchas de caneta e batom e madeira de encostos riscados nas paredes e carpetes gastos e manchados de mofo.

O Klutz era um local pútrido, nojento e com aparência de ensebado, mas por essa razão e por manter uma decoração brega e geométrica, misturando eucatex vermelho, amarelo e preto, com espelhos em formato de xadrez, parecia legal. Comecei a confiar na comida do Capitão Klutz.

— Vamos lá pro 2º andar. Eles servem lá também.
— Bora lá, então... dá pra ver a Borges lá de cima?
— Dá, sim. Vem, vem...



Eram três andares. Todos com a mesma aparência de restaurante que estava pronto para ser fechado pela vigilância sanitária. Pobre edifício da Ajax. Agora tinha mais essas histórias para contar. E eu pensando que iria me esbaldar com uma lauta comidinha.

— Opa, camarada... o que o casal vai querer? – Fodeu: fui bem atendido.
— Bah, me vê um com duas calabresas.

Imaginei que as lingüiças deveriam ser finíssimas... bem, eis que chegou o demoradíssimo cachorro. Deusducéu, quem são os cretinos que fazem essas comidas? Ah, sim, claro, decerto os mesmos cretinos que comem essas drogas. Aquilo parecia uma barca! Sério, parecia uma merda de uma grande canoa cargueira, carregada de muito milho, inconcebíveis ervilhas, duas calabresas enormes e uma quantidade incomum de maionese.

A última vez em que comi algo parecido foi no melhor lugar de Porto Alegre para esse tipo de coisa, super premiado por toda a crítica. Fomos fazer um show dos infernos na Goethe, numa terça. Previsão de pouca gente, que se converteu a zero ao, bem na hora de nosso lanche, desabar o Atlântico todinho na capital. Chegamos ensopados no Cachorro. Eu, particularmente, só lembro do queijo ralado por cima da mesa e uma cara de insatisfação cômica dos convivas. Pois no Klutz, trocou-se o queijo pela maionese, sem eu saber se era industrial ou caseira.

Um dia eu surgirei com uma droga de comida dessas na frente de uma mesa onde estarão sentados os imbecis que elegem essas merdas os melhores cachorros-quentes do mundo, ao lado dos incontáveis debilóides alternativóides que acham que gostam disso. Eu pegarei os cachorros todos, dentro de suas medíocres embalagens de papelão, e farei um tiro ao alvo na cara dos otários. Será uma punição debochadíssima! É, eu acho que seria legal nesses torneios onde recebem suas medalhas de latão haver também um prêmio-abacaxi para quem perdesse. Tipo, uma torta de chantilly na cara... não, um cachorro-quente do Klutz. Direto na cara do perdedor, com a plateia toda rindo pra caralho. Poderia ser um palhaço, desses tristes e sofridos animadores de aniversários infantis, o sujeito a jogar a comida na fuça dos derrotados. Merecido.

Melissa parecia se deliciar com a comida. Tinha uma maldita prática em enfiar coisas grandes pra dentro da boca. É, eu bem já sabia disso. Mas eu... na segunda mordida, eu consegui o que temia: engraxar o chão com uma vistosa golfada de maionese, molho, milho e ervilha. Fez plush no chão! Era muita coisa no piso e na mesa de 15cm de comprimento e 3m de largura. Pensando bem, já que eu estava deprimido com o fato de não poder matar minha fome com certa tranqüilidade, resolvi avacalhar mesmo e deixar com que as gotas mil desabassem pelo chão, cadeira e mesa. Haveria algum trabalhador-braçal morador de Alvorada que limparia aquilo e, de saco cheio, transmitiria sua indignação ao dono do Klutz:

— Porra, chefe... tá foda de limpar isso aqui todo dia!
— Qualé, Jeremias? Tá querendo trabalhar em outro setor ou vai pular fora?
— Nada, seu Álvaro, mas bah... essa graxa da maionese tá fodendo com meus tendões...
— Não gosta dos nossos cachorros-quentes? É isso?
— Pra dizer a verdade, prefiro os da carrocinha aí da frente. Eles não exageram na maionese e no milho. Experimenta limpar caaaada mesa depois que comem aqui. É uma droga! O que sobra diariamente no meu balde d’água daria pra alimentar a vila Cavalhada II facinho!
— Ora, mas vá para a...



Nenhum patrão gostaria de saber que está gastando além do normal e do necessário com suas coisas. Principalmente pela boca de um funcionário, que escolheu não viver o lado alternativóide da vida e não aplaudir tudo que lhe dizem ser delicioso.

Pagamos a porcaria dos cachorros, eu blasfemei muito contra as enormes calabresas cor de vinho e fomos pela Borges a pé. Um mendigo me pediu alguma comida e eu o mandei buscar na lata de lixo da espelunca atrás de mim.

Na altura do viaduto, peidei para deixar a situação tragicômica também para Melissa. Não era justo só eu tomar aquela foda.

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