quarta-feira, 21 de abril de 2010

O justiceiro

— É? E que tipo de música tu curte...?
— Ai... eu gosto de tudo. Eu sou bem eclética!


Começamos mal. “Eclética” para mim é a criatura que ouve qualquer bosta que lhe oferecem e acha que está no hype por isso. Não faz o mínimo discernimento entre Rock e sertanejo pelo fato de não ter nem uma rasa cultura para diferenciar néctar de ranho. Denise era assim. Pobre alma.

Mas era gostosa, e isso é muito importante. Era morena jambo, do tipo vileira bonita. A cara entregava a casta, por mais que alisasse o cabelo certamente outrora pixaim. As coxas grossíssimas eram uma atração à parte: de tão fortes, raspavam uma nas outras, deixando o caminhar de Denise particularmente jocoso. Mas, enfim...

Combinei com ela para buscá-la à noite, naquele frio do início de inverno. Liguei meu mini-aquecedor (“tudo na casa desse cara é mini...”, já diria meu amigo Rodrigo) e busquei a Dê. Estava muito bonita, embora a roupa me desse a entender que seria um trabalho medonho para revelar aquele corpão.

Pessoas pixains. Pessoas crespas... deusducéu, como enfrentei isso em minha puta vida. A cada conquista, depois de gastar litros de meu Latim de boteco, eu pensava: “Puta merda, mais um conjunto mortífero de pelos encravados, braços arrepiados e cheiros pesados...”. Depende muito do nível social onde o cidadão ataca. Ou não. Eu já saí com mulheres que dariam orgulho aos nazistas, tal o sangue ariano... e, no fim, crespas. Gente mal cuidada, saca? Tão certo quanto esquadrias de janelas de prédios públicos saírem tortas, certo como bombons envelhecerem rápido, tão certo quanto velas fazerem luz solar em filmes é o fato de que eu pareço um gênio pra essa mulherada, só por organizar minimamente meu palavreado. É cômico.

Pensando melhor, eu mereço, pois já fiquei com meninas insuportáveis que tinham o peito de, deitadas em minha cama, largar bobagens obtusas nos meus ouvidos:

— Sabe, no início eu não gostava de ti, mas agora...
— ... mas agora tu tá aqui pelada na minha frente, né?
— Ai, guri idiota...


Denise era mais na dela. Logo se encantou por um maldito livro que eu estava lendo e que falava sobre Simbolismo. Se encantou comigo, na real, porque pareci um gênio... cê sabe. Disso para rebocá-la pra casa foi um tapa.

O que me irritava de verdade na morena era seu péssimo gosto musical. Prefiro não citar tudo o que eu sabia que ela ouvia. Seria constrangedor. Por mais que fosse um amor de pessoa, simpática, doce e levemente safada, ela tinha que ser punida sumária e exemplarmente. Uma tunda de laço naquela bunda fofa não ia ajudar em nada, mas deveria ser delicioso. Lembrei de quando Joana veio, numa tarde, aos meus braços, fugida novamente de seu marido:

— Ui, que música estranha é essa...?
— Shhhh... é Donovan... fica fria e deita aqui de novo.


Era isso: a punição seria espinafrar boa música na cara da vileira. Imagino ela saindo só com trabalhadores-braçais oblíquos sem um posicionamento filosófico convincente:

— Que música tu quer ouvir, Denise, meu amor?
— Tem pagode?
— Tem, claro...
(entra no som do hino parobeense: “Deixa acontecê na-tu-ral-mente...”).

Falei em posicionamento filosófico? Bem, minha filosofia naquela noite foi anunciar que ela ouviria algo diferente. Fucei nos meus vinis e puxei o assustador “Cabeça dinossauro”, dos Titãs. A capa foi um impacto. Coloquei na vitrola e botei o volume alto o suficiente, direto na música título.

— E aí? Gostou? — perguntei sarcasticamente.
— É... diferente, né?
— Pode crer! Tá, vem logo pra cama...

Eu estava vingado: como uma torta de chantilly à la filme pastelão, joguei música boa nos cornos da mocinha. Vitória, rapaz! Você é mesmo um justiceiro do bom gosto. Hordas de cabeludos cabaços agradecem sua ousadia e entrega ao ideal roqueiro.

Ela se vingou também: sua roupa era realmente difícil de tirar e não saiu de seu corpo a noite toda.

2 comentários:

  1. Puts! Algumas (tantas) vezes me defini como eclética. Mas deve ter sido para algum trabalhador braçal, não pensaria dessa forma...hahaha assim espero

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  2. "Sabe, no início eu não gostava de ti, mas agora...
    — ... mas agora tu tá aqui pelada na minha frente, né?"

    É eu já passei por isso...ainda bem que não comentei...hauhauha

    E sou bem eclética. :)....Inteligentemente Eclética...

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